O que eu posso lhes dizer é o que acontece depois que a guerra acaba
O espetáculo sonoro ressoa
ANTÍGONA SONORA
vestígios do futuro
onde mora o espectador-ouvinte,
convidado por vozes a percorrer
os espaços de sua casa e adentrar
o mito de Antígona através dos tempos.
A peça sonora é uma continuidade na pesquisa do Comitê Escondido Johann Fatzer na lida com documentos em cena e nas possibilidades sonoras que esses materiais podem evocar. Em 2020, o grupo estrearia um novo espetáculo, interrompido em virtude da pandemia. De suas casas em encontros virtuais, o Comitê continuou a pesquisa de sonoridades em torno de documentos, e é desse contexto que nasce Antígona Sonora.
Aqui fala Antígona.
No coração da terra.
Mesmo depois de soterrada, entre ruínas, continuo com a utopia à
altura dos olhos.
Daqui,
eu
posso
sentir
os movimentos
do solo.
Olhe bem, olhe direito:
é tudo ruína.
e
a
s
r
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Era o deserto de novo.
Cidadãos de uma cidade contra cidadãos dessa mesma cidade.
U
R
U
B
U
S
Tanta ruína
sem nome. Declinar
que alfabeto
entre a língua
dos restos? Hecatombe
insensata
dos deuses
saciados.
Da descida ficavam
indícios de pó branco
e tempo. Contornávamos
as colunas ausentes
da história. Era a hora do sol
rodando
sobre a Ágora.
As cigarras rondavam
as espaldas da Acrópole
vergada. Repetiam
as sílabas roídas
por séculos
de nada.
Você consegue imaginar o som do sol queimando a pele dos cadáveres abandonados de Etéocles e Polinices?
Soe uma palavra ou um som
Diga um som como uma palavra
Diga um som até ele se tornar uma palavra
Ressoe uma palavra até se tornar um som
Diga uma frase de sons
Cante uma frase de palavras
Cruze tudo
O som de alguém esculpindo uma estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
estátua de mármore?
Soe uma palavra ou um som
Diga um som como uma palavra
Diga um som até ele se tornar uma palavra
Ressoe uma palavra até se tornar um som
Diga uma frase de sons
Cante uma frase de palavras
Cruze tudo
Sentem-se e negociem
À vontade, velhas raposas prateadas.
Vamos emparedá-las num palácio esplêndido
Com comida, vinho, boas camas e fogo
Contanto que negociem e acordem
As vidas de nossos filhos e as suas.
Que toda a sabedoria da criação
Concorra para abençoar suas mentes
E as conduza pelo labirinto.
Mas fora, no frio, as esperaremos nós,
O exército dos mortos em vão,
Nós do Marne e de Montecassino,
De Treblinka, de Dresden e Hiroshima:
E estarão conosco
Os leprosos e os tracomatosos,
Os desaparecidos de Buenos Aires,
Os mortos de Camboja e os que vão morrer na Etiópia,
Os derrotados de Praga,
Os exangues de Calcutá,
Os inocentes massacrados em Bolonha.
Ai de vocês se saírem em desacordo:
Serão esmagados em nosso abraço.
Somos invencíveis porque vencidos.
Invulneráveis porque já extintos:
Nós rimos de seus mísseis.
Sentem-se e negociem
Até que suas línguas sequem:
Se persistirem o dano e a vergonha,
Nós as afogaremos em nossa podridão.
Suas mãos estão sujas de terra?
A minha avó costumava me contar como Escrava Anastácia havia sido encarcerada numa máscara – como isso era comum e se passava com todos aqueles/as que falavam palavras de emancipação durante a escravidão – e eu, dizia minha avó, deveria sempre me lembrar dela.
Claro que me lembro, porque esta história foi memorizada. Não posso esquecê-la. O passado colonial está memorizado de tal maneira, que se torna impossível esquecê-lo. Às vezes, preferiria não me lembrar, mas, na verdade, é algo que não se pode esquecer.
A teoria da memória é, na realidade, uma teoria do esquecimento.
Não se pode simplesmente esquecer e não se consegue evitar lembrar.
nossa história nos assombra porque foi enterrada indevidamente
O PASSADO AGRIDE NO PRESENTE
a vaga lembrança de um mito
FECHE OS OLHOS COM FORÇA
VOCÊ QUE AINDA É CORPO: QUANDO É QUE O TEMPO ACABA
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de mim resta apenas uma imagem
tudo passa
pelas palavras,
porque tudo
se passa
nas palavras
principalmente a morte
DANILO ARRABAL, EDUARDO JOLY, GIOVANNA MONTEIRO, ISABELA BUSTAMANTI, JOY CATHARINA, JULIA PEDREIRA, MARIANA CARVALHO, RAFAEL SOUSA SILVA, VICENTE ANTUNES RAMOS E VICTOR ROSA
CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO SONORA
MIXAGEM E MONTAGEM DE ÁUDIO
EDUARDO JOLY, MARIANA CARVALHO, VICENTE ANTUNES RAMOS E VICTOR ROSA
TEXTO
JULIA PEDREIRA, RAFAEL SOUSA SILVA E VICENTE ANTUNES RAMOS
VOZES
JOY CATHARINA (ISMENE), RAFAEL SOUSA SILVA (GUARDA), DANILO ARRABAL (POLINICES), GIOVANNA MONTEIRO (ANTÍGONA), JULIA PEDREIRA, ISABELA BUSTAMANTI E VICTOR ROSA (CORO E RUÍDOS)
DIREÇÃO
VICENTE ANTUNES RAMOS
PRODUÇÃO
LEONARDO BIRCHE
SITE, IDENTIDADE VISUAL E COMUNICAÇÃO
TUWE
Sandro Pereira
Ana Mendieta/Silhuetas
Zorka Ságlová/In Kladení plín u Sudomere/Laying out Nappies near Sudomere
Ana Mendieta/
\Silhuetas
Luciano Bottini Filho
Ariane Breyton
Mariana Topfstedt
\Yucatan Mirror Displacements
Sebastião Salgado
Gramática Grega
José Augusto Seabra
Paula Allen/Flowers in the desert
W. Eugene Smith/Tomoko Uemura in Her Bath
Giorgio Agamben/O que resta de Auschwitz
Nicole Loraux/Maneiras trágicas de matar uma mulher / Lola Nieto/Vozánica
Fethi Belaid
Nicholas Kamm
Robert Smithson/
Lucas/@lucasport01
Caravaggio/A Dúvida de Tomé
Teresa Murak/Sculpture for the Earth
Ricardo Moraes
Primo Levi/Canto dos mortos em vão
Bruce Albert
Grada Kilomba/Memórias da plantação
E
ANTÍGONA SONORA
Duração: 38 minutos
janeiro 2022